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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Ponto de vista

Daniel Picoloto Bernardini é deficiente visual total. Aos quatro anos, ganhou do avô o primeiro acordeão. A partir daí, aprendeu, “ de ouvido”, outros instrumentos, como violão, teclado e contrabaixo.  Está retornando aos palcos com a formação de um novo grupo musical. E tem mais, além da música, a vida de Bernardini é intensa, ao lado da mulher Cláudia Gaspari, também deficiente visual, do amigão Rama, um cão-guia de cinco anos, dos associados da Associação de Deficientes Visuais de Bento Gonçalves (ADVBG) e dos colegas da Rádioweb Ponto de Vista. Aha! Ele está cursando duas faculdades: Administração de Empresas e Análise de Sistemas.
 O músico bento-gonçalvense de 32 anos, estudou na Escola Estadual Bento Gonçalves da Silva até a quarta série. “Na época, havia a sala de recursos para pessoas com deficiência visual. Lembro da professora Clarice Roncatto Galiazzi, e também, do reforço escolar, que eu fazia, na parte da tarde, com a professora, Sandra Mara Marodin Ferreira, na Associação dos Deficientes Visuais, que, aliás, está completando 30 anos, este ano,“ diz Bernardini. Essa afirmação vem de quem realmente integra-se à entidade. Ele é vice-presidente da ADVBG (que presta serviços de habilitação e reabilitação de pessoas com deficiência visual, reforço escolar, além da inserção do deficiente no mercado de trabalho). Ele recebeu muito incentivo da mãe Elizabeth Dutra Picoloto. Os brinquedos com sons diferentes e a primeira gaitinha amarrada à cadeira são lembranças da infância. “Meu ouvido musical correspondeu,” acrescenta. Ele também é presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (COMUDEF), entre outros cargos. Nessa agenda, ele deixa um tempo para ensaiar e recriar o repertório de música nativista. Bernardini já teve um estúdio de produção musical. ”A ideia é recomeçar aqui em Bento, em uma nova parceria musical com mais quatro amigos, compondo o grupo Andanças Gaúchas,” acrescenta ainda.

Um período muito importante da vida de Bernardini foi quando passou a residir em Balneário Camboriú. “Lá, eu tocava em bares, clubes e festas. Nos anos 2000, foram montados palcos em toda a orla, com diversidade de culturas. Eu representei a cultura gaúcha,” recorda o músico. Com inúmeros prêmios obtidos em rodeios e festivais de cultura, Bernardini faz questão de citar os instrumentalistas, Renato Borghetti, Dominguinhos, Albino Manique, Edson Dutra e Luiz Carlos Borges como suas referências. Além, é claro, dos pais e avós, especialmente, o avô materno Arcelino Picoloto - colecionador e apaixonado por acordeões - desempenhando papel importante em seu desenvolvimento musical.

Ponto de Vista
Bernardini sempre trabalhou com Informática, realizando manutenção de computadores. Foi instrutor do SENAI, ministrando cursos e palestras em diversas cidades. Ele é cedido da Prefeitura para a Associação. No momento atual, vem trabalhando também na Rádio Ponto de Vista, projeto de sua autoria e vinculado à marca cultural da instituição. A emissora é utilizada como laboratório. Futuramente, uma forma de autossustentação. “Sempre gostei muito de rádio e sempre tive contato com a comunicação através do rádio-amador que me serviu como base. Esse é um projeto que tem muito a expandir. Já temos, na programação, um quadro de relatos de viagens, um programa de debates com o advogado e Procurador da Fazenda Nacional, em João Pessoa, Genésio Fernandes Vieira, com temática sobre os direitos das pessoas com deficiência, e um programa de músicas gaúchas, a partir das 17 horas, com o colaborador Saulo Scarmagnan. Através da internet, podemos alcançar um público diverso em qualquer lugar, bastando estar conectado, o que torna este tipo de emissora muito interessante,” enfatiza.
Quanto ao mercado de trabalho, ele é categórico ao afirmar que é necessário conscientizar o empresariado. Existe uma lei de cotas para as empresas admitirem pessoas com deficiência. “ Para o cego ou o “ baixa visão” em si, é mais crítico, porque entra a questão do preconceito,” diz.
Ele afirma que, “não existe desculpa, nem para o empregador, nem para o empregado, com tanta tecnologia, todos podemos desenvolver nossas atividades. Há treze anos, quando eu comecei, no escritório da Mobel, fui aprendendo aos poucos, hoje, temos um aplicativo no telefone celular com detector de cores, de dinheiro, de objetos, de código de barras. É uma ferramenta essencial. Além do programa de computador JAWS, leitor de tela.”
Uma relação de amizade e trabalho
Bernardini é o único cego, em Bento Gonçalves, usuário de cão-guia. O labrador de cor preta, que o acompanha, chama-se Rama e, de uma ninhada de dez filhotes, foi um dos três, a apresentar personalidade adequada para tornar-se cão-guia de cego: liderança e submissão. No Brasil, existem somente 80 cães.
Rama foi entregue a Bernardini, há cinco meses, numa readaptação envolvente. Geralmente, eles têm apenas um dono. No caso de Rama, Bernardini é o segundo usuário. O primeiro foi o professor Álvaro da Silva, já falecido. Uma referência na vida de Bernardini. “Concluí o ensino fundamental e Cursei o Ensino Médio, em Santa Catarina, tendo o Álvaro, também cego, como professor. Um grande amigo,” relata. Ele complementa que, Rama acompanhava o professor Álvaro da Silva e ficou muito mal com a perda do dono. Precisou se readaptar.
Voltou para a Escola de Treinamento Helen Keller, única no Brasil, localizada em Balneário Camboriú, Santa Catarina. O instrutor Fabiano Pereira lembrou-se de que Bernardini tinha as mesmas características do primeiro usuário, como, a altura e o  jeito de andar, e escolheu a nova dupla. “A relação de amor, de carinho e de amizade, criamos depois,” complementa ainda Bernardini.
Ele destaca que, apesar dos problemas de acessibilidade que temos em Bento e do relevo acidentado, está sendo muito legal essa parceria. “Rama foi treinado para não se dispersar. As pessoas, aqui, sabem e entendem. Somente quando ele estiver com o equipamento de trabalho, peço, por favor, que não passem a mão e não distraiam o cão. Ele pode se colocar em situação de risco, e deixar o usuário também em situação de perigo. O que seria ruim para ambos, já que é um cão de trabalho e faz isso com muita alegria, respondendo a comandos. Nos momentos de descanso, Rama pode brincar livremente como qualquer cão. Vivemos uma relação muito forte,” finaliza Bernardini.